Depois de ler o novo artigo da Cilene Soarin para o portal
"UOL - Comidas e Bebidas" fiquei me perguntando até quando o mercado
das boas cervejas, sejam artesanais ou importadas, vai ser pautado pela
experiência de degustações didáticas. Não é a primeira vez que leio um artigo
associando a ascenção econômica e cultural de jovens bebedores de louras
geladas ao interesse por aprender sobre cervejas mais sofisticadas, nem tão
loiras e nem tão geladas. Sempre envolve um bar tão sofisticado quanto e um
certo procedimento quase científico de ordenar e harmonizar as cervejas, da
forma didática para não assustar os novatos. Não sei vocês, mas eu nunca
participei de alguma degustação dessas, seja formal, com algum sommelier, ou
informal, com amigos. A mudança no meu hábito de consumo foi paulatina, movida
pela simples curiosidade de saber a diferença entre as cervejas de sempre e
aquelas outras pouco conhecidas que aparecem na prateleira do supermercado.
O hábito de beber cerveja eu já cultivo há mais de 10 anos, é algo
que faz parte do meu dia-a-dia, como comer um sanduíche ou assitir a um jogo de
futebol. De alguns anos para cá mudaram os rótulos e aumentou a variedade na
minha geladeira, mas o hábito nem tanto. Em um dia quente, tomar uma cerveja
logo que chego em casa do trabalho. Quando vou cozinhar, abrir cerveja que me
acompanhe no fogão e na mesa. Na hora do futebol estar sempre acompanhado de
uma cerveja. Em uma coisa eu concordo com a Cilene, a quantidade mudou
bastante também. Afinal, para que beber tão rápido se a cerveja é tão mais
saborosa que aquelas de antigamente? Tá certo que pelo preço das boas cervejas,
é melhor beber devagar mesmo.
O que realmente incomoda neste discurso é que ele reflete a visão
que grande parte dos consumidores de São Paulo ainda tem das boas cervejas: um
produto diferenciado, para momentos especiais. Nessa lógica a cerveja do
dia-a-dia continua sendo uma daquelas aguadas das propagandas de TV. Essa visão
também se reflete nos bares da cidade. Já superamos aquela fase onde, para fugir
das cervejas populares, só havia os bares e empórios especializados
(temáticos?). Até algum tempo atrás, as estrelas dos "temáticos" eram
as grandes cervejas importadas de fama mundial. O programa de muitos aficionados era ir ao Melograno
ou Empório Alto dos Pinheiros tomar uma Tripel Karmeliet ou Chimay Bleue
(sempre na garrafa arrolhada de 750ml), se esbaldar com aquele luxo caro.
Lógico que já havia diversas cervejas artesanais brasileiras para serem
degustadas, mas elas não tinham o apelo de sofisticação das importadas mais
famosas. Evidentemente que poucos podem se dar esse luxo com frequência,
então o resto da semana devia acabar sendo regado a Coca ou no máximo umas Heinekens.
Ainda bem que de uns tempos para cá a situação está
melhorando em São Paulo. As boas cervejas estão lentamente se espalhando para
além dos bares de nicho. É lógico que não dá para esperar uma seleção
interessante de boas cervejas em qualquer bar, mas havendo alguma opção para
fugir da lager de milho, é certo que muitos clientes ficarão felizes.
Um passo importante para as boas cervejas se tornarem, de uma vez por
todas, um produto de consumo para o dia-a-dia dos apreciadores é uma oferta razoável
de cervejas na pressão, ou "chope" para os tradicionalistas. A falta
de opções para tomar cerveja na pressão em São Paulo chegou a tal ponto que
chope virou uma categoria a parte. Quando entro em algum bar comum e pergunto
quais cervejas tem, o chope nem é mencionado, pois é um produto completamente
diferente na cabeça do garçom, e provavelmente da maioria dos que trabalham no ramo.
Será que eles não sabem que o chope e a cerveja sairam todos do mesmo tanque.
Tenho a impressão que São Paulo ainda perde no quesito bares com variedade de boas cervejas na
pressão. Não estão mais bem servidos o Rio de Janeiro (Boteco Colarinho, Delirium Café), Porto Alegre
(Biermarkt, Vom Fass), Curitiba (Hop'n'Roll) e Belo Horizonte (CCCP, Empório
Serafina)? Os poucos por aqui que já oferecem várias torneiras para os clientes
escolherem, ainda incorrem no mesmo erro do passado. Muita cerveja importada na
pressão e poucas nacionais. E onde fica o frescor da cerveja de barril, não pasteurizada, depois de viajar 10mil quilômetros? Conheço alguns poucos bares em SP com mais de 3
torneiras de boas cervejas e arrisco dizer que, na soma, dois terços delas estão
servindo cervejas importadas. Mas é um começo. Eu sei bem que trabalhar com
cerveja na pressão é negócio arriscado. O produto é
muito perecível, a clientela quer variedade mas sempre vai ter algum barril encalhado ocupando torneira. Mas
com promoções espertas e bom jogo de cintura dá para formar um público cativo
que valoriza as cervejas frescas que saem das torneiras. Mesmo que ainda privilegiando
as importadas, o Empório Alto dos Pinheiros, com seus 27 bicos, já tem um
público fiel às suas torneiras. Para uma cidade como São Paulo ainda é muito
pouco, mas quem sabe a gente chega lá.
Menos afetação, gourmetização, falsa sofisticação e mais bares com boas cervejas (de preferência tiradas na pressão), é querer demais?
Menos afetação, gourmetização, falsa sofisticação e mais bares com boas cervejas (de preferência tiradas na pressão), é querer demais?
Interessante a reflexão. Mas discordo de que o artigo da Cilene pressuponha um "momento especial": o que ele pressupõe, é verdade, é um poder de renda superior ao da classe C.
ResponderExcluirMas realmente, nesse momento de expansão do mercado, a ênfase no "descobrir" (que pode se tornar rapidamente algo um pouco afetado) parece ainda sobrepujar a possibilidade de um despretensioso "desfrutar" para quem já conhece essas cervejas. Há maior preocupação em garantir a venda da cerveja uma única vez a novos consumidores do que incentivar o consumo reiterado de uma marca. Mas eu vejo um movimento crescente em apostar no consumo regular, sobretudo por parte das cervejarias nacionais.
Sobre a questão dos chopes, sei que você é um entusiasta dos chopes artesanais, mas eu acho que é preciso haver algum equilíbrio. Um número grande de torneiras é um atrativo e os preços tendem a melhorar na pressão, mas existem armadilhas perigosas. Cansei de pedir um chope artesanal ou importado que eu queria tomar e ele vir oxidado, ou com sinais de contaminação das linhas de chope. Prefiro poucos barris estrategicamente selecionados e bem acondicionados compensados por uma boa seleção de garrafas do que um monte de chopes que já passaram do seu melhor estado.
Pois é Alexandre,
ExcluirParece que aquela fase das cervejarias brasileiras lançarem apenas novas cervejas hiperpremium, com preços bem acima da sua linha regular, passou. Acho que todas as Bruts e afins já foram lançaram.
Sobre o chope artesanal, eu sei que é um risco para o comerciante e para o consumidor, que pode tomar chope azedo ou amanteigado, mas como disse no texto, quem arriscar e trabalhar direito pode se dar bem, vide o caso do Biermarkt em PoA.